A moda como grande aliada em atos políticos
Diretor Executivo do Instituto C&A aborda a importância de ter a moda como um elemento de reivindicações sociais
Capazes de assumir formas de comunicação em linguagem não verbal, engana-se quem acredita que a moda não esteja ligada ao fator político, social e econômico. De todo modo, ela consegue conversar com meio ambiente de forma que o regenere, e trazer posicionamentos envolvendo as pautas raciais. Mas de que maneira ela pode se tornar uma grande aliada em atos políticos?
Considerada um documento histórico da sociedade, possibilitando analisar anseios, comportamento humano e a sua reflexão sobre a realidade, a moda consegue passar pelo lado do escapismos e do sonho, chegando a alienação ou descaso a ponto de sua isenção ser uma necessidade de se agarrar a algo.
Segundo o estudo elaborado pelo Instituto Fashion Revolution Brasil, o Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) 2022, teve a pontuação média geral de 17%, representando uma queda percentual em relação a 2021. As 60 marcas e varejistas do mercado nacional analisadas foram classificadas de acordo com o nível de informações divulgadas em relação a políticas, práticas e impactos nos direitos humanos e meio ambiente.
A quinta edição do ITMB serviu para demonstrar como a evolução da indústria da moda brasileira está lenta. Durante os cinco anos da pesquisa que iniciou em 2018, esse índice vem pressionando marcas com visibilidade no mercado nacional a divulgarem, de forma pública, informações sobre suas operações e as chamadas ‘cadeias de fornecimento’
De acordo com o ativista corporativo e diretor executivo do Instituto C&A, Gustavo Narciso, pilar social de uma das maiores redes de lojas de departamento do país, é interessante ver a moda como um elemento importante em reivindicações sociais e também como um potencializador de expressões.
“Vimos nas últimas décadas as mulheres livres para usar peças entendidas como ‘masculinas’ como as calças. Além disso, temos na pauta feminista a busca pelo direito das mulheres vestirem o comprimento de roupa que quiserem sem que isso seja passe livre para comportamentos libidinosos dos homens perante elas. Os homens, por sua vez, que em algumas sociedades antigas ousavam mais da moda tem se apropriado de uma forma mais devagar da dita moda agênero”, explica Gustavo.
A história nos mostrou em diversos momentos de como as vestimentas eram capazes de transmitir mensagens. Quem não se lembra da icônica Maria Antonieta, conhecida por muitos como a rainha que usou a moda tão bem, a ponto de se impor politicamente na sociedade francesa na década de 70. Outro nome marcante, mas do contexto contemporâneo foi a primeira dama Michelle Obama, que marcou por seu estilo e por entender como poucas, como usar a moda de maneira diplomática.
Para Gustavo, as pessoas têm optado cada vez mais por trazer significado às suas vestimentas, contando as histórias que tem por trás delas ou comunicando mensagens de cunho político, que transmitam suas crenças e posicionamentos.
“Acredito que em curto espaço de tempo, essa onda será tão forte quanto a logotipia que estampa camisetas com marcas como Adidas, Balenciaga, Nike, Calvin Klein – que marcam a capacidade de quem veste, consumir essa marca de alto valor agregado – para pessoas que tem como premissa, um consumo que demonstre seu posicionamento de uma forma mais profunda, no consciente da busca por valorizar outros aspectos, como o processo criativo e o impacto socioambiental positivo da peça”, completa.
O diretor executivo ainda faz uma reflexão sobre o impacto que o próximo governo, comandado pelo presidente eleito, Lula, pode gerar nos próximos anos, principalmente se tratando de questões ambientais, especificamente o cultivo de algodão.
“A minha maior preocupação hoje com relação à moda vai de encontro ao impacto ambiental que, por exemplo, o cultivo de algodão provoca no campo. As promessas de campanha contemplavam o incentivo a culturas de pequenos produtores, que hoje são responsáveis por grande parte do cultivo do algodão agroecológico e regenerativo no país. Se o plano de governo se concretizar nessa direção, certamente teremos um impacto positivo”, comenta Gustavo Narciso.
Outro ponto de extrema importância que merece atenção pela resistência e representatividade social é a moda afro-brasileira, que vem ganhando espaços em desfiles, festivais e grandes eventos, mas ainda assim é um tabu a ser quebrado. Visto que ainda existe uma resistência na inserção da cultura preta dentro desse espaço nacional, Gustavo Narciso acredita que inicialmente, é preciso amplificar o conceito de moda afro-brasileira para uma ideia visual que vá além de puramente uma referência que fique apenas nas capulanas (tecidos estampados e coloridos utilizados por comunidades africanas).
“A moda afro-brasileira vai além disso, vem de mentes criativas com capacidades, origens e histórias diversas que trazem consigo essas vivências para as suas marcas. Acho que essa desconstrução imagética do que é moda afro-brasileira é o primeiro passo para que possamos oportunizar mais espaços para pessoas negras e indígenas que vem pensando moda no Brasil, ressalta.
Em um país majoritariamente negro, pensar na moda nacional é quase que imediatamente pensar também em uma moda por e para pessoas que tem forte relação com a cultura negra, e ignorar isso onde se propõe construir um espaço democrático e justo dentro do campo da moda é colaborar com o racismo estrutural do país.
Junto ao Instituto C&A, o ativista corporativo busca investir em marcas de moda autoral, moda essa que já tem seu compromisso com sua cadeia de valor em relações mais respeitosas de trabalho, valorizando mulheres, pessoas negras e indígenas, migrantes e a comunidade LGBTQIAP+. De acordo com Gustavo, investir nessas pessoas nesse segmento é permitir que a sociedade possa despertar o interesse de tornar o seu consumo político ao tomar consciência do impacto que sua escolha tem para grupos historicamente minorizados.
Gustavo também faz parte do Entrelinhas, projeto pensado para dar visibilidade a pequenas marcas de moda autoral e cheias de significado. “Quando conectamos a marca Rendeiras da Aldeia, que tem como base a renda renascença, à uma moda de alto luxo como a Apartamento 03, cuja base de clientes tem potencial para entender e pagar pelo conhecimento ancestral e meticuloso que essa técnica possui, estamos falando de política. Quando trazemos a Kioo Modas, marca criada por um casal preto cansado de não encontrar peças que representassem a identidade do filho com a Dendezeiro que tem despontado no mercado nacional, também estamos falando de política. E é isso que tem movido esse projeto do Instituto C&A adiante”, conclui Gustavo Narciso.