Sua empresa pode ser multada por causar ansiedade — e quase ninguém está preparado

Atualização da NR-01 transforma saúde mental em exigência legal. Especialistas explicam como se adaptar antes da fiscalização.

Em vigor desde maio de 2025, empresas de todos os portes no Brasil poderão ser autuadas por negligência à saúde mental dos seus colaboradores. Isso porque a nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-01), atualizada em 28 de agosto de 2024, passou a exigir legalmente o mapeamento e o controle dos chamados riscos psicossociais — um avanço sem precedentes nas políticas públicas de proteção ao trabalhador.

Estresse crônico, jornadas exaustivas, metas abusivas, assédio moral, ansiedade e burnout agora fazem parte do escopo fiscalizável pelas autoridades do trabalho. Não se trata mais de iniciativas voluntárias ou de boa vontade das empresas — está na lei, e o descumprimento pode resultar em multas, processos trabalhistas e interdições.

“É uma virada de chave. Pela primeira vez, a legislação trabalhista brasileira trata a saúde mental como um item obrigatório de gestão de risco. As empresas que não se adequarem à NR-01 podem ser responsabilizadas por omissão — inclusive em ações judiciais”, explica Juliane Garcia de Moraes, advogada trabalhista especializada em saúde no trabalho.

Os números por trás da nova exigência

O Brasil vive uma epidemia silenciosa de adoecimento mental no ambiente corporativo. Em 2024, foram registrados 472.328 afastamentos do trabalho por transtornos mentais, segundo o Ministério da Previdência Social — um salto de 68% em relação a 2023. A ansiedade, sozinha, já atinge 26,8% da população brasileira, o equivalente a 56 milhões de pessoas, conforme a pesquisa Covitel/2024.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a perda global de produtividade causada por ansiedade e depressão ultrapassa US$ 1 trilhão por ano.

“Esses dados justificam a mudança na norma. A NR-01 está alinhada com um movimento mundial. Quem continuar tratando saúde mental como assunto secundário vai pagar caro — em todos os sentidos”, alerta Juliane.

O que a NR-01 exige agora

A norma obriga que todas as empresas com funcionários regidos pela CLT implementem um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e um plano contínuo de monitoramento e prevenção de riscos psicossociais.

Segundo a Contabilidade Bastazini, que atende empresas de pequeno e médio porte em todo o Brasil, essa obrigação tem gerado dúvidas — e medo.

“Muitos empresários acham que vão precisar montar departamentos inteiros ou contratar consultorias caras, mas não é isso. A NR-01 exige um plano realista, com base em diagnóstico do ambiente de trabalho, e ações de prevenção contínua — como treinamentos, revisão de metas, estruturação de canais de escuta e reorganização de jornadas”, explica Patrícia Bastazini, CEO da empresa.

“Nossa missão tem sido traduzir a norma para o dia a dia do pequeno empreendedor. Não é sobre papelada — é sobre gente. Sobre clima organizacional, produtividade e reputação”, completa.

O impacto na prática: menos adoecimento, mais estratégia

O Radar SIT (Sistema de Informações sobre Inspeções do Trabalho) já registrou mais de 38 mil autos de infração por descumprimento de normas de segurança e saúde em 2023. Com a atualização da NR-01, a expectativa é que a fiscalização seja ampliada para incluir auditorias sobre o tratamento de riscos emocionais.

Patrícia alerta que, além das sanções administrativas, o impacto pode ser invisível — mas profundo:

“Um funcionário afastado por burnout pode custar meses de produtividade, mais indenização, mais processos. O passivo trabalhista gerado por negligência à saúde mental é silencioso, mas altíssimo. E o que vemos é que, com medidas simples, muitas empresas conseguem mudar esse cenário.”

Como preparar a liderança para aplicar a NR-01

Para cumprir a NR-01 de forma eficiente, o papel da liderança é fundamental. É o que defende Flávio Lettieri, consultor empresarial com mais de 30 anos de experiência, que hoje capacita líderes em temas como bem-estar, propósito e gestão emocional.

Flávio não fala apenas da teoria: em 2023, enfrentou uma crise de ansiedade que o levou à internação. O episódio se tornou o ponto de virada de sua trajetória — e rendeu o livro “Ansiedade: Aprenda a conviver com ela e equilibrar bem-estar e produtividade”.

“A NR-01 exige mudança de cultura. Não adianta ter um documento assinado se o gestor continua cobrando metas impossíveis, desrespeitando pausas ou silenciando pedidos de ajuda. O líder precisa ser treinado para reconhecer sinais de esgotamento — nos outros e em si mesmo”, diz Lettieri.

Ele conduz workshops e palestras voltados à adequação prática da norma: capacitação de líderes, práticas simples de bem-estar organizacional e construção de ambientes psicologicamente seguros.

“A boa notícia é que não precisa ser caro. Com ações pequenas, acessíveis e estratégicas, é possível cumprir a NR-01, melhorar o clima e ainda reduzir afastamentos e rotatividade”, resume.

A hora de agir é agora

A fase de autuações da nova Norma Regulamentadora nº 01 (NR-01) começa oficialmente em maio de 2026. Até lá, a fiscalização será de caráter educativo e orientativo — mas o prazo para as empresas se adaptarem já está correndo. A recomendação de especialistas é que os ajustes comecem ainda neste semestre, especialmente na área de Saúde e Segurança do Trabalho, responsável pela integração dos dados exigidos.

A advogada trabalhista Juliane Garcia e a diretora da Bastazini Contabilidade, Patrícia Bastazini reforçam que a implementação das exigências da NR-01 demanda planejamento e tempo, sobretudo em empresas que ainda não trabalham com indicadores de clima organizacional ou saúde mental. A nova regulamentação está conectada a informações sensíveis do trabalhador, como dados do e-Social e da previdência social.

“Não é algo que se resolve com uma palestra motivacional. É preciso mapear os riscos, criar planos viáveis e sustentar uma cultura de cuidado no dia a dia. Essa é a mudança real que a NR-01 está trazendo”, finaliza Patrícia Bastazini.